Hérnia discal cervical – artrodese ou prótese de disco cervical?
A coluna cervical é composta por sete vértebras separadas por discos intervertebrais, que funcionam como pequenas almofadas ou amortecedores que permitem o movimento da coluna e a absorção de impacto. As vértebras e os discos intervertebrais delimitam o canal vertebral, por onde passa uma estrutura muito importante para as nossas funções – a espinal medula – e da qual emergem as raízes nervosas que se dirigem para os nossos braços e pernas. É a espinal medula que é responsável pela transmissão da informação do nosso cérebro para os nossos membros (superiores e inferiores) e que nos permite ações tão básicas como mexer os braços e pernas, ter sensibilidade, controlar a nossa função urinária e fecal e até respirar.
Os discos intervertebrais são estruturas sujeitas a um stress constante, sofrendo alterações na sua composição ao longo do dia e ao longo da nossa vida. Sabe-se que, muito cedo na nossa vida, os discos intervertebrais começam a sofrer alterações de desgaste ou degenerativas, que podem ser aceleradas ou precipitadas por fenómenos como a genética, trauma, stress repetitivo, tabagismo, diabetes, doenças inflamatórias, entre outros. Estas alterações levam ao aparecimento de pequenas fissuras no anel externo do disco intervertebral (ânulo fibroso) e à perda progressiva da altura e da função do disco intervertebral. Em determinadas circunstâncias, o interior do disco intervertebral pode extravasar para o exterior, projetando-se dentro do canal vertebral e comprimindo a medula ou as raízes nervosas. A esta alteração da normal morfologia do disco intervertebral denomina-se hérnia discal ou protusão discal, sendo que a diferença entre as duas se relaciona com a integridade do ânulo fibroso.
Os sintomas das hérnias mais comuns são rigidez e dor na coluna cervical com irradiação para a nuca, ombros, braços e mãos e que podem ser acompanhadas de diminuição da força, da sensibilidade e formigueiros nos mesmos territórios. Nos casos de compressão da medula, podem também existir alterações da capacidade de marcha e da coordenação motora nos quatro membros.
No caso das hérnias discais ou protusões discais e na ausência de défices de força ou de sensibilidade, o tratamento deve ser inicialmente conservador. O tratamento conservador consiste na realização de tratamento medicamentoso, com anti-inflamatórios, analgésicos e relaxantes musculares e da realização de fisioterapia e mudança de estilo de vida. Na maioria dos casos, o tratamento conservador adequado é eficaz, resolvendo os sintomas e evitando o recurso a uma intervenção cirúrgica. Nos casos de compressão da medula, no entanto, o tratamento deverá sempre ser cirúrgico, uma vez que as lesões da medula tendem a ser progressivas e definitivas, quando esta não é descomprimida atempadamente.
Quando os sintomas das hérnias ou protusões discais não resolvem com o tratamento conservador, poderá recorrer-se ao tratamento cirúrgico. O tratamento cirúrgico da hérnia discal consiste na remoção do disco intervertebral e descompressão das estruturas neurológicas comprimidas, desta forma aliviando a dor no pescoço e as dores e alterações da sensibilidade e força nos braços e mãos. No local onde o disco degenerado se encontrava é necessário colocar algo que impeça o colapso progressivo das vértebras e o reaparecimento das queixas.
A forma clássica para substituir o disco intervertebral consiste na realização de uma artrodese ou fusão da coluna cervical. Na artrodese da coluna cervical um implante ou osso do próprio indivíduo é colocado entre as vértebras, de forma a manter a sua altura e a promover a fusão ou união entre as duas vértebras adjacentes. O implante poderá fixar-se de forma independente às vértebras ou poderá ser fixado com recurso a placas e/ou parafusos. Trata-se de um procedimento eficaz, que permite resolver os sintomas dos doentes de forma relativamente duradoura.
A fusão das vértebras, no entanto, está associada aos desgaste precoce dos discos intervertebrais nas restantes regiões da coluna cervical, uma vez que esses irão ser mais solicitados para realizar os normais movimentos da coluna. Está provado que esta sobre-solicitação dos discos intervertebrais adjacentes é um fator de risco para o desenvolvimento precoce de degeneração nesses discos, o que poderá levar ao aparecimento de novas protusões ou hérnias, com compressão neurológica e à necessidade de mais cirurgias no futuro.
Uma alternativa à fusão das vértebras é a artroplastia, que consiste na colocação de uma prótese de disco cervical. Neste procedimento, no local do disco retirado é colocado um implante sintético, que permite manter a mobilidade entre as vértebras. A prótese de disco, ao contrário da fusão, comporta-se como um disco normal, permitindo manter a mobilidade da coluna cervical e a absorção do impacto. A realização dessa cirurgia é tão ou mais eficaz no alívio das queixas do doente mas diminui o risco de desgaste de outros discos cervicais, podendo evitar a necessidade de futuras cirurgias.
Nem todos os doentes com hérnias ou protusões discais com indicação para tratamento cirúrgico têm indicação para colocação de próteses de disco. Apesar de este ser um tratamento eficaz, deverá ser reservado para os doentes com colunas menos rígidas e com mobilidade cervical relativamente mantida, uma vez que a colocação de uma prótese de disco num disco sem mobilidade não será capaz de lhe fornecer mobilidade e poderá estar associada a dor cervical crónica.
Artigo redigido pelo Prof. Doutor Ricardo Rodrigues Pinto
1. Jorge H Núñez, Berta Escudero, Irene Omiste, Judith Martínez-Peñas, Maria Surroca, Francisco Alonzo-González, David Bosch-García. Outcomes of cervical arthroplasty versus anterior cervical arthrodesis: a systematic review and meta-analysis of randomized clinical trials with a minimum follow-up of 7-year. Eur J Orthop Surg Traumatol . 2022 Aug 20
2. Yan Hu, Guohua Lv, Siying Ren, Daniel Johansen. Mid- to Long-Term Outcomes of Cervical Disc Arthroplasty versus Anterior Cervical Discectomy and Fusion for Treatment of Symptomatic Cervical Disc Disease: A Systematic Review and Meta-Analysis of Eight Prospective Randomized Controlled Trials. PLoS One . 2016 Feb 12;11(2):e0149312